Imagine a seguinte situação: seu filho foi diagnosticado com autismo e o médico indicou um tratamento essencial — como sessões de terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada), fonoaudiologia ou psicoterapia. Você entrega o pedido ao plano de saúde esperando começar logo o tratamento, mas, dias depois, recebe uma resposta fria e frustrante: “procedimento não autorizado”. Isso soa familiar? Se sim, você não está sozinho.
A negativa de cobertura por planos de saúde é uma das principais reclamações registradas na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em 2023, mais de 105 mil queixas formais foram feitas por usuários de planos de saúde em todo o Brasil. Muitas dessas reclamações são justamente sobre tratamentos negados, como terapias para autismo, cirurgias, exames e medicamentos de alto custo.
Mas afinal, isso é legal? O plano de saúde pode negar o tratamento indicado por um médico?
Quando o plano de saúde pode ou não pode negar tratamento?
A primeira coisa que precisamos entender é que quem define o tratamento é o médico — não o plano de saúde. E isso está amparado pela Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) e por decisões da Justiça.
A ANS — órgão que regula os planos de saúde no Brasil — mantém um Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que funciona como uma lista básica de tudo que os planos devem cobrir. Esse rol é atualizado periodicamente e já inclui diversos tratamentos fundamentais, inclusive para pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista).
Em 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o rol da ANS é taxativo, ou seja, o plano pode seguir só o que está ali — mas com exceções. E é aí que entra a boa notícia: se o tratamento for essencial, tiver respaldo médico e científico, e não houver outra alternativa igualmente eficaz no rol, a Justiça pode obrigar o plano a cobrir.
Exemplos de tratamentos que costumam ser negados (e que podem ser obrigatórios)
- Terapias para autistas, como ABA, fonoaudiologia, psicopedagogia e terapia ocupacional;
- Medicamentos de alto custo ou fora do protocolo;
- Cirurgias específicas não listadas no rol da ANS;
- Exames avançados, como ressonância magnética ou genéticos;
- Internações em clínicas especializadas ou fora da rede conveniada.
Se o médico indicar, e houver justificativa técnica, o plano tem obrigação de considerar seriamente esse pedido. Negar de forma genérica, com frases prontas como “não está no rol” ou “não há cobertura contratual”, pode ser ilegal.
O que fazer quando o plano de saúde nega o tratamento?
Se isso acontecer com você ou com alguém da sua família, siga este passo a passo:
- Solicite a negativa por escrito. Exija que o plano de saúde envie um documento com os motivos da recusa. Isso é um direito seu, garantido pela Resolução Normativa 395 da ANS.
- Reúna todos os documentos médicos. Isso inclui: laudos, relatórios, exames, receita do tratamento e a indicação do profissional explicando por que o procedimento é essencial.
- Registre uma reclamação na ANS. A agência pode intermediar o problema. Ligue para o número 0800 701 9656 ou acesse o site www.ans.gov.br.
- Procure um advogado especialista em direito da saúde. Muitas vezes, só com uma ação judicial é possível obrigar o plano a liberar o tratamento a tempo. Em casos urgentes, é possível obter uma liminar (uma decisão rápida) que obriga a cobertura imediata.
Quando procurar a Justiça?
Sempre que houver risco à saúde, ao bem-estar ou ao desenvolvimento do paciente, e o plano insistir na recusa mesmo com justificativa médica, vale a pena acionar o Judiciário.
A Justiça tem reconhecido que a saúde é um direito fundamental, garantido pela Constituição Federal. Diversas decisões têm condenado operadoras de plano de saúde a pagar indenização por danos morais, além de cobrir o tratamento.
Conhecer seus direitos é o primeiro passo
Negar um tratamento indicado por um profissional de saúde pode não só prejudicar a recuperação do paciente, como também violar direitos garantidos por lei. Infelizmente, muitas pessoas deixam de lutar por desconhecimento ou por acreditarem que o plano está sempre certo.
Se você enfrenta ou já enfrentou essa situação, saiba que você não está sozinho e que existem caminhos legais para resolver. O apoio de profissionais especializados e a informação correta fazem toda a diferença.
Seu plano de saúde não pode ser uma barreira para sua saúde.
Compartilhe este texto com quem precisa saber disso — informação é um direito, e pode salvar vidas.
Gustavo Gomes Esperandio – advogado OAB-TO 7121